sexta-feira, 30 de novembro de 2007

ANDARILHA A TODA PROVA. Crônica p/Edna Costa. 20.09.2006

Hoje fui a Chinatown e ao Soho. Eu, minha amiga Marli e alguns amigos dela, que estão passeando aqui e queriam fazer algumas compras boas e baratas. Acabamos o passeio numa feirinha anual do bairro italiano chamado Little Italy. A feirinha não estava boa como nos anos anteriores, mas é um passeio quase obrigatório nessa época de fim de verão.

Fomos para comer uma bela macarronada ou um suculento nhoque, mas, para nossa decepção, as "pastas" só eram servidas nos restaurantes italianos que colocam mesas e cadeiras até quase no meio da rua, oferecem muita música e a
conhecida alegria e cordialidade dos garçons...uma delícia! Só que a "turma da mão fechada" não quis gastar, e preferiu comer nas barraquinhas que são armadas na rua e vendem fogazzas, pizzas, calzones, sanduíches, etc. Acabamos comendo um sanduíche enorme de linguiça com cebolas e pimentão. Para mim estava tudo horrível. A linguiça tinha
pimenta (odeio), o pão, que dizia ser italiano, estava seco, e para terminar a cebola era do tipo adocicado. Ninguém merece!

Depois da refeição desastrosa, fomos comprar um doce para encerrar o dia cansativo, mas uma bomba de chocolate, pasmem, custava US$5.00!!! Acabamos andando mais uma quadra e fomos comprar arroz doce no "Rice to Riches", uma graciosa e famosa loja que vende todo tipo de arroz doce. Poderíamos ter comido lá mesmo, mas já estava anoitecendo, e acabamos levando pra comer cada um em sua casa. Comprei uma porção de chocolate e outro de passas ao rum, um desbunde e gastei só US$7.50.

Apesar dos pesares, valeu muito a pena. Porque, como costumo dizer, meu tarja preta é um dia desse
jeitinho...muita andação, algumas compras, a companhia de amigos, corpo cansado e a melhor parte: agradecer a Deus pela oportunidade disso tudo.

Agora que terminei minha pequena crônica já posso tirar os pés da salmoura e me preparar para dormir,
porque amanhã é dia de muito trabalho. Semana que vem tem mais.

Edna.

Ps: andei tantos quilometros com a visita do meu
filho, minha nora e da minha amiga Marli, que estou
pensando em participar da próxima maratona de New
York...Abilio Diniz...me aguarde!!!

domingo, 25 de novembro de 2007

Ah! Essas meninas! Crônica por Edna Costa

Éramos seis filhos, que meus pais lutavam para criar.
Apesar de pobres, morávamos num lugar onde toda
vizinhança era "bem-de-vida", como se dizia
antigamente. Minhas amigas ricas, ao invés de me
discriminar, sempre me aceitaram como uma delas. Se
houvesse alguma festa para irmos e eu não tivesse a roupa adequada, me emprestavam não só a roupa, como os
sapatos, o relógio (imprescindível para ser chic
naquela época) e os brincos.

Eu tinha duas amigas preferidas, Dinda e Zica.
Dinda, a mais bonita e antipática para a maioria e Zica, a mais amalucada da turma, pois sempre
fazia o que lhe dava na cabeça transformando a vida
dos pais (super tradicionais) num inferno. A gente se
gostava muito, nos dávamos super bem e éramos inseparáveis.

Um dia fui à casa da Zica, para sairmos e a
mãe dela disse que ela estava na cama com cólicas por
causa da menstruação. Quando entrei no quarto ela
estava coberta até o pescoço, gemendo e nos pés tinha uma bolsa de água quente. Acabei achando que sómente gente rica tinha cólicas e pensei com meus botões: na próxima menstruação também vou ter cólicas!

Quando minha menstruação veio, meus planos já
começaram a falhar. Eu não podia ficar na
cama porque, ao contrário da minha amiga, eu precisava
trabalhar. Mas resolvi levar a farsa adiante, e fui
ensaiando meu teatrinho. No serviço passei o dia todo
triste, soltando suspiros baixinhos e gemidos
doloridos lamentando a terrível cólica que estava me
matando! Passei com louvor pois até minha chefe se
solidarizou comigo me dispensando mais cedo.

Quando cheguei em casa, me joguei na cama (da minha mãe
porque eu dormia no sofá-cama com minha irmã caçula) e
fiz o maior teatro. Minha mãe coitada, não sabia o que
fazer pois eu nunca sofrera de cólicas. Pior ainda, eu disse à ela que precisava urgente de uma bolsa de água quente, senão ia morrer. A coitadinha providenciou água quente dentro de uma garrafa e colocou nos meus pés (não era exatamente o que eu imaginara mas estava de bom tamanho).

Imitando minha amiga, eu estava coberta até o pescoço, mas estava um dia especialmente quente e assim que minha mãe colocou a tal garrafa começou me dar um calor horrível! Comecei a suar em bicas, fui ficando vermelha e resolvi terminar ali mesmo minha performance.

Dei um pulo da cama, corri para o banheiro, tomei um
banho rápido e quando saí, disse pra minha mãe que a
garrafa tinha feito um milagre (pelo tempo que
permaneceu sob meus pés, só milagre mesmo!)Bom, eu nunca tive cólicas, mas até entender o quão ruim é ter uma dor,
continuei a sentir uma pontinha de inveja da Zica por
ela ter cólicas e eu não. Ah! Vai entender essas meninas!

sábado, 24 de novembro de 2007

Bom dia, boa tarde ou boa noite.

Passando para pedir que, ao visitarem meu blog, deixem um recadinho de estímulo ou mesmo uma crítica, pois ambos são valiosos para a continuação do meu sonho em escrever um livro, um dia. Podem mandar via e-mail também. Obrigada por existirem. Beijos da Edna.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cheiros e recordações. Crônica por Edna Costa.

Às 4a.feiras entro muito cedo no trabalho. Sempre saio de casa em cima da hora e, sonolenta, sigo para mais um dia de trabalho puxado. Observo as pessoas à minha volta e noto que todos seguem apressados em direção ao metrô. Também sigo em ritmo acelerado até sentir o cheirinho dos pães assando ou acabados de sair do forno. Desacelero minha caminhada e sorrio ao relembrar fatos passados da minha tão longínqua infância.

Lembro-me dos pães caseiros que minha tia Beatriz fazia quando íamos passar as férias em Sta. Gertrudes (interior de S.Paulo). Levantávamos ainda escuro com o galo cantando e íamos direto para a varanda nos fundos da casa onde havia uma grande mesa retangular com dois bancos compridos, um de cada lado. O sol despontava no horizonte anunciando um dia de calor o que para nós, era uma promessa de muitas "artes" nos pomares e fazendas vizinhas.

Que delicia sentir o aroma do cafezinho passado em coador de pano na "cabrita" (quem lembra?) que era servido no enorme e velho bule de ágata azul com margaridas miúdas desbotadas. Ah! O cheiro dos pães moldados caprichosamente e assados no forno de barro do quintal. Lembro da fumaça saindo da grande leiteira, riscando desenhos no ar. O que eu mais gostava depois dos pães eram os bolos de laranja, caipira ou de fubá que cresciam até rachar no meio, uma belezura de se ver (e comer). Na mesa sempre havia manteiga, queijo fresco, goiabada, doce de abóbora, de marmelo, de laranja, a dura e gostosa rapadura, além outras delicias, tudo devidamente feito por minha tia e suas ajudantes.

Abrando ainda mais o passo e minhas recordações continuam. Fico pensando que aqui onde vivo (EUA) não se fazem pães como os do Brasil! Pão francês leve e crocante... bengalinha... pão italiano do Bixiga... roscas doce... pão doce com mil e um recheios. Que prazer eu sentia ao parar em frente ao balcão da padaria e encher os olhos com tanta variedade. Depois agir como uma criança seduzida por tantas guloseimas: apoiar o dedo no vidro e apontar para a delícia escolhida e lambuzar-me de puro prazer. Que maravilha!

Aqui o visual até que é bonito mas tudo tem muita manteiga, gordura, açúcar, coberturas e recheios artificiais. Sem falar nos pães salgados que são borrachudos e sem graça, com honrosa exceção ao pão português. Sacudo a cabeça vigorosamente para afastar as lembranças e entro na padaria para comprar meu pãozinho, que será meu almoço, depois de devidamente recheado com frios, tomate e alface, os quais levo à parte. Retomo meu caminho, agora apressadamente como os demais e salivo só de pensar no pãozinho francês (ou brasileiro?) crocante por fora e macio por dentro.

A costureira. Crônica por Edna Cosa.

Dona Lia era a costureira de toda vizinhança. Vivia com a familia, numa casinha modesta, quase no fim da rua. Era uma mulher magra, baixinha, com cabelos castanhos ondulados e o que mais chamava a atenção nela eram os dentes da frente, levemente separados. Tinha uma cor de pele amarelada que alguns classificavam como falta de vitaminas e sol. Todos levavam suas costuras para ela fazer porque cobrava barato e costurava muito bem, segundo as comadres da rua.

Ela era muito trabalhadora, isso se via na casa pobre, mas muito limpa, nas roupas estendidas caprichosamente no varal e em outros pequenos detalhes, como a horta, que exibia verduras e hortaliças viçosas. Criava algumas galinhas e um galo no fundo do quintal em um cercado grande onde havia uma árvore num canto. Quando anoitecia as galinhas faziam da árvore seu poleiro para dormir e se livrar de algum inimigo que pudesse atacá-las. O galo cantava uma, duas, três ou mais vezes nas madrugadas até o dia raiar.

Logo cedinho lá estava ela varrendo o quintal com uma vassoura feita de galhos, para depois molhar as plantas e a horta. Enfiava a mão num balde e espargia generosos bocados de água para todo lado. Alimentava as galinhas chamando-as com um tiiii-ti-ti-ti-ti e em seguida ia para a frente da casa aguar as plantas da varanda. Voltava para dentro e não aparecia mais o resto do dia, a não ser rapidamente para colher alguma verdura ou alimentar os animais novamente.

O marido da dona Lia era um homem meio gordo e carrancudo que raramente cumprimentava os vizinhos. Diziam as más línguas que ele era um homem de gênio ruim mas, ela nunca se queixava para ninguém! Tinham dois filhos, um menino e uma menina, magrinhos e muito parecidos com a mãe. O pai os levava para a escola e para onde fosse necessário para que dona Lia tivesse tempo para suas costuras, que ajudavam muito no orçamento da casa.

Numa madrugada estranhamente o galo não cantou. Acho que muita gente perdeu a hora de levantar, acostumados que estavam com aquele despertador pontual. Na casa de dona Lia amanheceu um rebuliço: ela tinha sumido! O pai levou as crianças para a escola e voltou para saber se alguém tinha visto a mulher dele. Não, ninguém sabia do paradeiro dela. O dia já ia chegando ao meio quando ele encontrou um bilhete e com as mãos tremendo, leu a letra também tremida. Sua mulher tinha fugido com o farmacêutico! Foi um Deus nos acuda com a vizinhança toda se intrometendo e tentando adivinhar os motivos do louco gesto da tranqüila costureira.

O assunto devagar foi sendo esquecido por todos, a vida continuou igual e alguns meses se passaram, até que um dia viram dona Lia no bairro. Ela foi chegando de mansinho na casa de uma vizinha, pediu licença para entrar e depois de muito chorar contou sua historia. Desde os primeiros anos de casada sofreu muito com o marido que era metido a machão e por qualquer motivo a humilhava. Isso não deixava marcas físicas, mas as que machucavam o coração foram minando sua resistência.

Até que um dia seus olhos encontraram os olhos de Nivaldo. Todas as vezes que precisava ir a farmácia seus pensamentos flutuavam em beijos, abraços, desejos e pecados. Então vieram as declaracões, os bilhetes e um convite para irem embora viver uma vida melhor. Passou a acreditar na possibilidade de ser feliz. Sim, haviam os filhos, mas nesse momento seu coração batia descompassado implorando por um pouco de carinho e atenção. Ela ouviu a voz do amor e não da razão.

Estava arrependida por ter abandonado os filhos, não o marido. Queria vê-los e, quem sabe, poder ficar com eles de novo. Mas sentia medo da reação daquele homem frio e irracional. Pediu conselhos do que deveria fazer e foi embora com esperanças renovadas. Disse que voltaria em outra oportunidade para uma conversa com o marido.

Num dia chuvoso e frio ela reuniu coragem e bateu na velha porta descascada da casinha de pintura desbotada. Quando o homem atendeu, arregalou os olhos e abriu a boca sem conseguir pronunciar nenhum som. Ela teve muito medo, mas se mostrou valente pela saudades que sentia das crianças. Disse que tinha vindo conversar e entrou corajosamente. Demorou pouco lá dentro e quando saiu já não trazia as marcas de esperança de quando chegara.

A vizinha veio ter com ela que lhe contou a proposta do marido prepotente: só ficaria com os filhos se voltasse para casa demonstrando arrependimento e pedindo perdão a ele publicamente. Dona Lia chorou e não aceitou. Ela agora tinha outra vida e não queria voltar a sofrer com aquele homem a quem já não amava.

De tempos em tempos, alguém comentava ter visto pelas redondezas a figura furtiva da pequena costureira olhando tristemente, de longe, a casinha pobre, a escola publica ou os filhos tão amados.

Houve também quem jurasse ter visto o homem carrancudo espiando por detrás da janela e que, algumas vezes, lágrimas escorriam por sua dura face.

14 de maio de 2005. Seis anos! Crônica por Edna Costa.

Dia 14 de maio (sábado) fez seis anos que chegamos aqui nos EUA. Foram anos de muita luta, saudades, desafios, conquistas e esperanças. Vou tentar resumir mais ou menos os acontecimentos.

Viemos eu e meus dois filhos. Meu filho do meio ficou no Brasil para terminar a faculdade de veterinária, que já estava quase na metade. Quando o avião levantou vôo, meu coração ficou apertado de dor. As lágrimas (algumas das muitas que viriam) rolaram quentes e choramos, os três, silenciosamente. Foi uma longa viagem na qual nenhum de nós dormiu perdidos em pensamentos sombrios.

Fazia muito frio quando desembarcamos no aeroporto JFK, em New York. Tínhamos vindo despreparados para isso e para dizer a verdade, para tudo o que nos esperava. Trazíamos pouco dinheiro, mas muita fé, esperança e coragem em nossa pequena bagagem. Estávamos assustados com nossa ousadia e com a incógnita que seria nossas vidas a partir desse momento.

Por coincidência, pegamos um táxi com motorista brasileiro (Marcos) que nos levou a um albergue em Manhattan, já que o casal que deveria nos buscar e hospedar, não apareceu. Fiquei assombrada com tudo, principalmente o tamanho dos prédios e lojas. Olhando as pessoas e os lugares, senti-me como se estivesse dentro de um filme ou quem sabe, sonhando. Era uma sensação muito estranha!

No albergue ficamos num quarto com mais um rapaz e foi esquisito porque no Brasil isso não é usual. Finalmente no dia seguinte, conseguimos falar com o tal casal e ficamos na casa deles - em Astória, NY - por um mês, onde dormíamos no chão da sala. Em seguida fomos morar em Flushing, NY, com uma brasileira que havia ficado viúva e tinha medo de ficar sózinha. Nesse interím, nossas poucas reservas estavam acabando pois não contávamos que tudo seria tão caro por aqui. Felizmente meus filhos arrumaram serviço e logo depois eu tambem fui trabalhar.

Então resolvemos ir morar com o pai dos meninos (que morava em Newark-NJ e de quem eu estava separada). Que sufoco! Durou pouco a tentativa, mas foi o empurrão que nos levou para outra cidade (Jersey City-NJ), onde moramos até dois meses atrás, quando viemos morar em Queens, NY.

Nestes anos aconteceram coisas boas e coisas ruins. Acho que pesando na balança o saldo fica quase empatado. As coisas boas, foi que compramos uma casa, carro, conhecemos lugares, pessoas, novos costumes, viajamos, meus filhos tiveram a chance de estudar e ter um futuro melhor, inclusive o que ficou no Brasil, pois tivemos condições de mantê-lo estudando. Eu realizei um antigo sonho que era ver a neve. E tambem participamos de alguns acontecimentos históricos e outros um tanto interessantes nesse país.

O pior foi, antes de tudo, a barreira da linguagem e a diferenca cultural. Fizemos poucos amigos aqui já que trabalhamos tanto que ficamos sem tempo, sem contar a desunião dos brasileiros, querendo sempre um ter mais do que o outro, salvo raras exceções, algumas das quais, Deus colocou em nossas vidas. Por outro lado não participamos de fatos importantes que aconteceram no Brasil, em nossa família e com os amigos. E o que dizer da saudade? Essa dói demais e faz nosso coraçnao ficar pequenininho e triste, dependendo do momento.

E assim, vamos tocando o barco, hora em águas mansas, hora em águas revoltas. O futuro é um enigma, mas estamos cumprindo as metas que traçamos antes de vir e esperando DELE, o comandante de nosso destino, a decisão final.

Roupas no varal. Crônica por Edna Costa.

Como a menina gostava de olhar as roupas brancas e coloridas nos varais! Esvoaçando ao vento, lembravam um balé mudo e mal coordenado. Achava que se o vento fosse muito forte as roupas sairiam, uma a uma, voando pelo céu e que desapareceriam para sempre no infinito.

Olhando a ceroula do avô (que todos da casa temiam e respeitavam) com a braguilha aberta, imaginou seu ar envergonhado se deparasse com tal cena. Até no varal ele demonstrava sua severidade pois as pernas da ceroula ao serem levadas pelo vento, chicoteavam o camisolão branco da avó. Sentiu um arrepio ao lembrar das surras que o avô aplicava naquele que ousasse desobedecê-lo. Até de bengala ela e seus irmãos já tinham apanhado e como doía!

Olhou com ternura para o vestido da mãe, uma mulher que apesar da pobreza e do trabalho pesado, ainda conservava um pouco da beleza de sua juventude. Ela tinha a pele branca como a neve, cabelos castanhos claros encaracolados e corava com facilidade. Quase nunca reclamava e se reclamasse, iria adiantar alguma coisa? Nos dias que havia fartura a mãe cantarolava alto, com a voz cristalina que fazia a menina sorrir e sentir-se feliz.

Em seguida pousou os olhinhos espertos no macacão de serviço do pai, que a mãe lavava, esfregava, esfregava e nunca ficava limpo de tudo. Pensou com tristeza que apesar dele ser um homem inteligente, trabalhador e bom, nunca sairia daquela vida de sacrifícios. Parecia trazer essa sina estampada no rosto sereno e melancólico. Não era um lutador e sim um sonhador. Ia à igreja protestante todo final de semana e, levava a famíla junto para que todos partilhassem sua fé. A menina não gostava de ir porque sentia medo da gritaria que se formava nos finais do culto. Mas não tinha escolha e ia resignada.

As roupas da menina, das irmãs e dos irmãos eram quase todas coloridas, mas ficavam sempre encardidas das brincadeiras no chão de terra batida, das estrepolias nas árvores, das corridas na beira do córrego (eram proibidos de brincar lá, mas iam mesmo assim), de rolar pelo chão com o cachorro chamado Peri e de correr debaixo da chuva, batendo o pé nas poças d'água, que respingavam lama por todo lado e, que sempre acabavam em castigo por desobediência.

Ah! como era bom ser criança! Corria pelo meio de tanto colorido, passando as mãozinhas inocentemente pelas roupas até que a mãe vinha e ralhava com ela. A menina obediente ia saindo de mansinho mas de longe divagava, olhando as roupas balançando no varal.

MUDANÇAS. Crônica por Edna Costa

Quando eu era ainda criança, minha família vivia mudando de casa. Talvez venha daí minha antipatia por este tipo de coisa. Quando a gente muda perde os referenciais, e tem que começar tudo de novo! E foram tantas as mudanças na minha vida, que quase me acostumei com elas. Mudei de nível social, de país, de estado civil e, até meus planos, algumas vezes contra minha vontade, mudaram. Agora estou mudando de novo! De casa, de bairro e de estado.

E hoje, olhando pela janela da minha cozinha que tanto gosto, meu coraçao ficou apertado e meu olhar tristonho. Fiquei pensando como irei sentir falta dos pássaros bagunceiros, do gato amarelo vagabundo, das gralhas barulhentas, dos esquilos esfomeados e das árvores que nos davam frutos e sombra para os churrascos de verão. Fechando os olhos quase pude sentir os odores familiares, e imaginar os sons tão conhecidos desse pedaço de nossas vidas.

Agora vou confessar uma coisa: despedida, seja por qual motivo for, me deixa estressada torcendo para o momento demorar a chegar. Adeus! Acho que essa palavra triste foi inventada numa arrebatada inspiração de alguém que ao se despedir num momento angustiante, olhou para o céu e disse: Ah! Deus! Ou de alguém, que ao perder um ser querido, colocou nessa expressão toda impotência que sentia no coração e elevando aos céus uma prece cheia de dor entregou essa alma A-Deus.

Na nova cidade vamos morar no terceiro andar de um prédio com um um simpático jardinzinho ao lado da porta de entrada. A rua é limpa, arborizada, tem um ótimo comércio e transporte bem próximo. Ficará bem mais perto da faculdade do meu filho, e de nossos trabalhos, fazendo com que poupemos tempo. O apartamento é amplo, arejado e recebe sol de todos os lados. Nao teremos vizinhos em cima (o que será muito bom) mas, respeitaremos os de baixo. Terei que subir alguns degraus a mais, todos os dias, e isso é péssimo para meus joelhos. Mas como sou uma pessoa que encara o lado positivo da vida, com certeza descobrirei as coisas boas que esse novo espaço nos trará. E como sempre, espero que compartilhem comigo as alegrias e incertezas dessa minha nova caminhada. Sejam bem–vindos!

" UM DIA DE FÚRIA INFANTIL" Crônica por Edna Costa.

Quem já não ouviu falar que a música acalma até as feras? Tempos atrás li um artigo muito interessante onde cientistas demonstravam pesquisas feitas com animais selvagens que, escutando música clássica, passavam da fúria para completo "estado alfa". Achei fantástico!

Dias atrás tive uma demonstração contrária à pesquisa. Eu sou babá do Samuel (2 anos) e uma vez por semana eu o levo à uma aulinha de música onde todos tem a mesma faixa etária. As crianças cantam, dançam, brincam, rolam pelo chão e experimentam "tocar"alguns instrumentos como pandeiro, tambor e outros do mesmo tipo ou seja, todos muito barulhentos.

A professora (americana) é muito amável. Ela é bem magra, deve ter uns 45 anos, tem longos cabelos ruivos encaracolados e grandes olhos verdes. Normalmente ela é meiga e paciente mas, acho que essa semana ela estava com problemas e resolveu botar prá fora suas neuras.

Colocou para tocar um cd num volume alto demais e com uma música que lembrava o som de tambores de canibais em uma floresta longígua. Assim que começou a música, ela (a professora) deu um grito, um rodopio e de um salto caiu no centro da sala no meio das assustadas crianças. Aí começou uma espécie de dança selvagem na qual agitava braços e pernas frenéticamente. A cabeça girava loucamente fazendo com que suas madeixas voassem de um lado para outro parecendo hélices de um helicóptero descontrolado prestes a cair. Seu rosto estava vermelho e seus olhos pareciam duas esmeraldas faiscando no fundo de uma caverna escura de onde saia sua vóz num som gutural.

Repentinamente as crianças formaram uma roda em volta dela e foram sendo empurradas como uma onda sem controle para o centro numa algazarra e gritaria infernal. Rodopiavam e urravam enlouquecidas como se estivessem pisando em brasas vivas. Um menino pegou duas baquetas (que servem para tocar tambor) e avançou sobre uma menina loura e, não fosse eu mais rápida, talvez ela fosse a primeira vítima da insana aula.

Nós, mães, avós e babás, óra batíamos palmas, óra ficávamos em completo estado de transe com tais cenas ou simplesmente nos olhávamos sem compreender bem o que sucedia. Finalmente a música terminou. As crianças suadas esparramadas pelo chão demonstravam estar exauridas de suas forças. Algumas ensaiaram um começo de choro mas a professora foi mais rápida e pegando seu instrumento musical (tipo um violão pequeno mas com um suave som de harpa) dedilhou uma melodia harmoniosa que acalmou os pequenos. Conclusão: A tese é verdadeira! Música selvagem excita e música suave acalma.

Fiquei feliz por ter terminado a aula. Peguei o Samuel, nossas coisas e fui saindo perplexa, aliás, como todos que lá estavam. Será que esse estado eufórico da querida mestra aconteceu de alegria por ter sido o último dia da aulinha (as aulas recomeçam logo após o verão) dos anjinhos? Hummmmm, será???

SOLIDÃO. Crônica por Edna Costa.

Como explicar a solidão? Sempre ouvi falar de solidão mas nunca havia parado para pensar e nunca tinha vivido essa situação. Quando se é jovem a gente não entende o que é solidão. Claro que há exceções, mas geralmente na infância e adolescência nossas vidas são cheia de pessoas, fatos e coisas que não nos deixam saber o que isso significa.

Eu tinha uma tia que ficou solteirona e morava com meus avós. Com o passar do tempo eles morreram e ela ficou só. Apesar de ter um certo conforto material minha tia tornou-se uma pessoa amarga, resmungona e chata, que chorava por qualquer motivo. Depois de alguns anos da morte dos meus avós ela desenvolveu um câncer e morreu. Só agora consegui entender o porque da mudança dela. Ela sofria de solidão.

Solidão é a gente estar acompanhada de alguém, mas sentir-se sozinho. É ter um montão de amigos, mas quando voltar pra casa sentir melancolia. É ouvir uma musica triste e chorar. É falar demais no telefone, no serviço e com as pessoas.

Solidão é a gente ficar casado por muitos anos e quando pensa que vai ter uma companhia na velhice, a gente separa. Solidão é quando os filhos casam, vão embora e a casa antes perfeita no tamanho para a família vai ficando grande e silenciosa demais. Solidão é ficar fazendo hora extra no serviço, porque sabe que ao chegar em casa não vai ter ninguém nos esperando.

Solidão é assistir televisão em companhia do nosso mascote e fazer comentários com ele como se falasse com um ser humano. Solidão é ficar feliz sempre que o telefone toca, nem que o telefonema seja cobrança ou notícia chata. Solidão é estar longe da familia e amigos. Solidão é ficar navegando na net por horas a fio por absoluta falta de companhia real.

E você, alguma vez já sentiu algum desses sintomas? Se sentiu você é normal e se não sentiu, você é privilegiado.

De cebolas, batatas e tomates. Crônica por Edna Costa.

Dia desses protagonizei uma cena hilária e tudo por
conta de batatas, tomates e cebolas que comprei
para aproveitar o preço que estava bom. Eu levava
aquele pêso todo de uma cidade para outra. Quando saí
da estação de trem, vi que meu ônibus vinha vindo e
resolvi atravessar a avenida de qualquer jeito.

Acontece que são três etapas para a travessia.
Atravessei a primeira avenida e parei na ilha (um
tiquinho de ilha que mal dava para caber meus pés e
eu, com razoável segurança). Depois de alguns
segundos, que pareceram minutos, consegui chegar na
segunda ilha (idem à primeira em tamanho). Fiquei com
um olho no trânsito e outro no bendito ônibus que
continuava parado no ponto com as pessoas entrando.

O farol estava fechado para as duas mãos que seguiam a
esquerda e aberto para a faixa do ônibus. Então, os
motoristas ao verem aquela figurinha frágil e sózinha
(euzinha) perdida naquele ilhazinha, começaram a fazer
gestos com as mãos para que eu atravessasse, que o
ônibus esperaria. Diante da situação de perigo resolvi
perder o ônibus e esperar o próximo sinal. Mas, qual o
quê! O povo parecia querer ver sangue na arena!
Resolveram que eu teria que atravessar e tal foi a
gritaria e os incentivos, que lá fui eu.

Acontece que a motorista do ônibus começou a sair lentamente com o
dito cujo. No desespero para atravessar a pista - e
agora pegar o ônibus também - comecei uma corrida
maluca que acabou em comédia. Imaginem a cena: Quando
eu estava no meio da avenida o fundo da sacola de
legumes começou a rasgar. E eu correndo, nem vi. Só vi
quando passou a primeira batata na minha frente (ela
sendo grande e redonda tinha mais velocidade que eu,
claro!). Em seguida veio mais uma batata...e mais
outra...atrás vinham as cebolas e os tomates. Fui
correndo e driblando todos para não pisar em nenhum e
cair, mas nem pensando em parar de correr.

Nisso a motorista tinha parado o ônibus e TODO mundo olhava
para mim. Ela abriu a porta e eu entrei vermelha de
vergonha e quase morta, sem folêgo. Alguém pode
imaginar uma senhora com minha dignidade (leiam assim:
diga a idade) correndo acima de suas forças? As caras de todos
pareciam dizer: "Oh! coitada!" Quando cheguei ao meu destino e fui descer do ônibus a motorista cheia de compaixão e simpatia me consolou:

- Bom, parece que hoje não vai ter jantar em casa, né?
Tenha uma boa noite querida. Agradeci, retribui a
gentileza e desci do ônibus convicta de que nas
próximas compras, vou colocar os legumes em duas
sacolas para ter certeza que tal cena jamais se
repetirá.