quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A costureira. Crônica por Edna Cosa.

Dona Lia era a costureira de toda vizinhança. Vivia com a familia, numa casinha modesta, quase no fim da rua. Era uma mulher magra, baixinha, com cabelos castanhos ondulados e o que mais chamava a atenção nela eram os dentes da frente, levemente separados. Tinha uma cor de pele amarelada que alguns classificavam como falta de vitaminas e sol. Todos levavam suas costuras para ela fazer porque cobrava barato e costurava muito bem, segundo as comadres da rua.

Ela era muito trabalhadora, isso se via na casa pobre, mas muito limpa, nas roupas estendidas caprichosamente no varal e em outros pequenos detalhes, como a horta, que exibia verduras e hortaliças viçosas. Criava algumas galinhas e um galo no fundo do quintal em um cercado grande onde havia uma árvore num canto. Quando anoitecia as galinhas faziam da árvore seu poleiro para dormir e se livrar de algum inimigo que pudesse atacá-las. O galo cantava uma, duas, três ou mais vezes nas madrugadas até o dia raiar.

Logo cedinho lá estava ela varrendo o quintal com uma vassoura feita de galhos, para depois molhar as plantas e a horta. Enfiava a mão num balde e espargia generosos bocados de água para todo lado. Alimentava as galinhas chamando-as com um tiiii-ti-ti-ti-ti e em seguida ia para a frente da casa aguar as plantas da varanda. Voltava para dentro e não aparecia mais o resto do dia, a não ser rapidamente para colher alguma verdura ou alimentar os animais novamente.

O marido da dona Lia era um homem meio gordo e carrancudo que raramente cumprimentava os vizinhos. Diziam as más línguas que ele era um homem de gênio ruim mas, ela nunca se queixava para ninguém! Tinham dois filhos, um menino e uma menina, magrinhos e muito parecidos com a mãe. O pai os levava para a escola e para onde fosse necessário para que dona Lia tivesse tempo para suas costuras, que ajudavam muito no orçamento da casa.

Numa madrugada estranhamente o galo não cantou. Acho que muita gente perdeu a hora de levantar, acostumados que estavam com aquele despertador pontual. Na casa de dona Lia amanheceu um rebuliço: ela tinha sumido! O pai levou as crianças para a escola e voltou para saber se alguém tinha visto a mulher dele. Não, ninguém sabia do paradeiro dela. O dia já ia chegando ao meio quando ele encontrou um bilhete e com as mãos tremendo, leu a letra também tremida. Sua mulher tinha fugido com o farmacêutico! Foi um Deus nos acuda com a vizinhança toda se intrometendo e tentando adivinhar os motivos do louco gesto da tranqüila costureira.

O assunto devagar foi sendo esquecido por todos, a vida continuou igual e alguns meses se passaram, até que um dia viram dona Lia no bairro. Ela foi chegando de mansinho na casa de uma vizinha, pediu licença para entrar e depois de muito chorar contou sua historia. Desde os primeiros anos de casada sofreu muito com o marido que era metido a machão e por qualquer motivo a humilhava. Isso não deixava marcas físicas, mas as que machucavam o coração foram minando sua resistência.

Até que um dia seus olhos encontraram os olhos de Nivaldo. Todas as vezes que precisava ir a farmácia seus pensamentos flutuavam em beijos, abraços, desejos e pecados. Então vieram as declaracões, os bilhetes e um convite para irem embora viver uma vida melhor. Passou a acreditar na possibilidade de ser feliz. Sim, haviam os filhos, mas nesse momento seu coração batia descompassado implorando por um pouco de carinho e atenção. Ela ouviu a voz do amor e não da razão.

Estava arrependida por ter abandonado os filhos, não o marido. Queria vê-los e, quem sabe, poder ficar com eles de novo. Mas sentia medo da reação daquele homem frio e irracional. Pediu conselhos do que deveria fazer e foi embora com esperanças renovadas. Disse que voltaria em outra oportunidade para uma conversa com o marido.

Num dia chuvoso e frio ela reuniu coragem e bateu na velha porta descascada da casinha de pintura desbotada. Quando o homem atendeu, arregalou os olhos e abriu a boca sem conseguir pronunciar nenhum som. Ela teve muito medo, mas se mostrou valente pela saudades que sentia das crianças. Disse que tinha vindo conversar e entrou corajosamente. Demorou pouco lá dentro e quando saiu já não trazia as marcas de esperança de quando chegara.

A vizinha veio ter com ela que lhe contou a proposta do marido prepotente: só ficaria com os filhos se voltasse para casa demonstrando arrependimento e pedindo perdão a ele publicamente. Dona Lia chorou e não aceitou. Ela agora tinha outra vida e não queria voltar a sofrer com aquele homem a quem já não amava.

De tempos em tempos, alguém comentava ter visto pelas redondezas a figura furtiva da pequena costureira olhando tristemente, de longe, a casinha pobre, a escola publica ou os filhos tão amados.

Houve também quem jurasse ter visto o homem carrancudo espiando por detrás da janela e que, algumas vezes, lágrimas escorriam por sua dura face.

2 comentários:

Louca por Doces disse...

Nossa, amei essa historia.Muito bem contada. Infelizmente é uma historia bem real essa dos maus tratos em casa e das separações dolorosas. Algumas pessoas confundem amor com possessão.

Edna Costa disse...

Verdade amiga, conheci essa dor pessoalmente. E, põe doloroso nisso! Futuramente vc. conhecerá detalhes através de crônica. Bjs.